12.12.10

Engatinhando na sociologia rural

Voltei a ler o último capítulo de "A sociedade vista do abismo" de José de Souza Martins. O texto do cara é assim... uma série de bofetadas, dignas daquela cena de Celebridade com Malu Mader e Cláudia Abreu, sabe? Muito punk. Triste saber que o cara tem que ser quem ele é pra dizer alguma coisa e ser de fato ouvido. Um camponês dizendo as mesmas coisas seria convidado a se calar. Mas vamos em frente.

O capítulo em questão se chama "Crítica da sociologia rural" e fala sobre como a sociologia rural foi por muitos anos uma área perversa da sociologia, voltada para diminuir e desumanizar a cultura das sociedades rurais, buscando revesti-las de uma aura de atraso e primitivismo. Fala também sobre como a "modernização do campo" foi imposta e cruel, fazendo conviverem ítens de alta tecnologia e trabalho escravo; gado tratado como realeza e empregados como lixo. Na página 222 do livro ele diz o seguinte:
Aqui no Brasil, nos anos 70 e 80, (...) Espaços ocupados por populações indígenas, que muitas vezes jamais haviam tido contato com o homem branco, e ocupados por populações camponesas pobres, remanescentes das ondas de povoamento dos séculos 18 e 19, foram declarados espaços vazios pelo estado nacional.
Mais adiante, ele afirma que a idéia emancipadora que se faz(ia) da modernização técnica e econômica do campo não passava de uma falácia. essa modernização "postiça" teve um custo social imenso, inclusive em termos de inchaço das grandes cidades - leia-se crescimento das favelas. Aliás, é bem interessante como Martins descreve a favela como um espaço rural dentro do espaço urbano, sobrevivendo, resistindo, se mantendo mesmo longe do campo. Curti.

Posso perceber um pouco disso no meu dia a dia. A região onde fica minha escola é conhecida pela fruticultura irrigada para exportação. A Fresh Del Monte é a principal empresa desse ramo da região. Ela é uma multinacional moderna no "meio do nada". Agora vejam vocês: na cidade onde estão tanto a escola como a empresa, muitos jovens não tem sequer PERMISSÃO DOS PAIS pra fazer a seleção pro instituto. Sabem por quê? Porque o ensino médio integrado de agroecologia, que interessa(ria) aos pequenos produtores da cidade é diurno - e todo mundo da família precisa estar disponível pra trabalhar na Del Monte durante os 4 meses da colheita. Um mundo de oportunidades desperdiçado porque as pessoas são tão pobres de dinheiro e de sonhos que nem mesmo cogitam a possibilidade de trocar a plantação alheia pelo próprio futuro.

A parte do texto que traz esperança é a página 226, cujo 2o § diz assim:
As próprias populações rurais vitimadas pelo desenvolvimento econômico excludente (...) tem procurado seu próprio rumo, tem se alçado acima das indignidade que as vitima, tem proclamado seus direitos e questionado os responsáveis por sua situação. Os movimentos sociais do campo são a forma do protesto dos pobres da terra, o clamor dos sem voz porque não foram ouvidos no devido tempo. Eles desfiam a sociologia rural a compreender o protagonismo e a criatividade das populações rurais (...). 
Estudar sociologia rural não vai ser nada agradável, pelo visto. Mas, vamos em frente. Quanto mais essa disciplina explicar minha realidade, mais preparada eu vou estar pra intervir nela.

12.11.10

"Não existe revolução sem resistência"

Tem um aluno meu que já professor. Ele é engajado, libertário dos pés à cabeça e eu adoro conversar com ele sobre educação. Um dia desses ele escreveu isso:

~*~*~*~
"Não dá certo!", "Não gosto disso", "Os alunos não vão aprender nada com isso!", "É perda de tempo!", "Eu mesmo nem vou!". Chega! Escutar essas lamentações típicas de professores acomodados e preguiçosos ao extremo de vez em quando ainda vai. Agora, diariamente é dose! Conviver todos os dias com as demonstrações científico-tecnológicas dos queridos colegas de que alunos de escolas municipais e públicas estão destinados ao fracasso e que não vão aprender nada além de metade da tabuada, uma classe gramatical aqui e outra aculá e, com sorte, os pronomes do verbo Tobby é o máximo que esse povo acha que eles irão aprender, né? Pois tá certo! Digo e repito: "PROFESSORES VITIMADOS SÓ PODEM TER ALUNOS ALGOZES!"

A pérola da "prole universitária" da vez surgiu durante uma reunião pedagógica quinzenal, junto à supervisão escolar. Foram discutidos vários pontos, desde os diários de classe até à situação dos possíveis candidatos à reprovação no final do ano letivo. Falou-se também sobre a participação da escola nas festividades do 62º aniversário da cidade, onde haverá o famoso Desfile Cívico com o tema: "A África da luta, do revide e da libertação: Ipanguaçu agora conta a história de uma nação". O tema que coube à escola foi relacionado à ancestralidade dos cultos africanos. Em outras palavras, religião. A supervisora dos anos finais do EF propôs que trabalhássemos em sala os conteúdos antes mesmo de começar a pensar em alas, figurino e tal, ponto de extrema relevância no ensino dos meninos. Proposto isso, vamos aos comments:

"Olhe, eu acho tudo isso uma besteira! Uma grande perda de tempo! Pra quê esses alunos estudarem essas coisas lá do outro lado do mundo? Onde é que isso vai alterar a realidade deles? Isso tudo é só faixada! Ninguém aprende nada, pode ter certeza!"

"Vixe! Não gosto desses negócios de orixás não! O Senhor me livre, mas isso não é coisa de Deus."

"Bem, eu posso até passar na sala pros alunos, agora Deus que me livre e tire da minha cabeça qualquer lembrança disso tudo. Ó, Senhor Jesus. Isso não é coisa do Senhor não."


É, eu estou em choque! OH, MY GOD! Com professores assim, quando é que a educação brasileira vai mudar? Onde vamos com tanta discriminação, intolerância e burrice? Dentre muitas das opiniões que formei com base nos disparates aí em cima eu só posso concluir uma coisa: conhecimento vai  dar no inferno! Por isso, o convite à burrice foi lançado! E que vençam os mais fracassados. 

Todas as ótimas perspectivas que eu tinha a respeito da formação universitária foram pro beleléu tem um tempo, pois eu pensava que nas universidades as pessoas eram instruídas a pensar, a aprender a ensinar e formar cidadãos críticos e pautados no respeito às diversidades culturais, sejam elas de cunho religioso, artístico, social ou sexual. O que esses (as) professores (as) disseram é o cúmulo do absurdo. Isso é simplesmente jogar todas as fichas a serem depositadas no sonho da educação libertária no lixo! Questionei um (a) deles (as) sobre a importância de os alunos negros e pardos, principalmente, terem ideia de sua identidade cultural e do porque, por exemplo, de terem traços físicos similares como textura do cabelo, contorno facial e cor da pele, mostrando que isso era um das contribuições que a escola e, certamente, os professores deveriam dar para os alunos, tendo em vista os altos índices de racismo, preconceito e discriminação para com os afrodescendentes. Resposta... Tchanrã! "Você acha que isso vai acabar o racismo? Isso não vai ensinar nada a eles!". A partir daí, eu realmente vi que não havia motivo para continuar participando da reunião, onde a supervisora e meu colega professor de Língua Inglesa eram os únicos a pensar como eu. A forma como a religião deixa as pessoas burras e cegas é absurda. O ruim disso tudo é você ter de ser ético e seguir convenções morais em relação ao que pretende falar. Você quer falar coisas do tipo: "Olha, deixa de ser ignorante, sua pedra! Você tá fazendo o que por aqui? Se não quer dar aula, vai ser jardineiro, coveiro ou policial, mas se afaste da educação!" No entanto, o máximo que você "deve" dizer é: "Bem, discordo da sua opinião e não vejo fundamentos pedagógica e educativamente construtivos nela!" Não é pra se morder? Mas paciência um dia acaba, e aí, bem, não sei se vou manter o salto no lugar. 

O pior é que quem perde com tudo isso são quem? Os alunos! Os alunos que têm DIREITO à boa educação e formação cidadã! Os alunos que merecem RESPEITO por parte de seus educadores, sem serem tratados como água de vaso sanitário! Os alunos que DEVERIAM TER uma educação étnico-racial pautada nos princípios do respeito da diversidade, onde a cultura é algo que não deve se mostrar hierarquizado. Mas o que temos, infelizmente, são uns tantos teachers como os que deram origem à minha revolta escrita aqui no post.

Mas existe uma coisa que me faz rir dessa situação toda, pessoal. E é o seguinte: em cada uma das minhas turmas, do 6º ao 9º ano, foram criados grupos de estudo em História , Cultura e Identidade Africana e Afro-brasileira, onde os alunos do interior, carentes, menosprezados, desacreditados e humilhados estão estudando literatura de ícones da prosa fantástica africana, lendo fundamentos teóricos de estudiosos da negritude e, é claro, analisando o conceito de "identidade" do Stuart Hall. Bem, os profes continuam na deles lá, só com o velho e carcomido livro didático. Trocando em miúdos, os alunos agora continuam sendo do interior e carentes, mas além disso são valorizados, engajados, assíduos, estudiosos e sensíveis! Melhor correrem, licenciados! O pessoal da zona rural tá passando anos luz de vocês, humana, acadêmica e cognitivamente falando!
~*~*~*~

Ao que eu respondi isso:
André, a gente tem sempre que lembrar que as pessoas são (também) fruto de um dado contexto. O que seria da sua prática hoje se não fosse, por exemplo, a influência de Negreiro? Seria igual? Esse tipo de formação que você prega é o tipo de formação que a maioria de nós profes não teve! Quando a gente lembra disso fica bem mais fácil ter menos raiva e mais solidariedade. Seus colegas merecem seu respeito - e precisam dele pra poderem te ouvir sem se sentirem acuados. Pelo respeito, eles podem se sentir acolhidos por você.
Outra: NUNCA espere que seus colegas concordem com você. Suas idéias são revolucionárias e não existe revolução sem resistência. 
Fiz bem?

11.11.10

"A senhora num faz prova não, professora?"

Prefiro fazer Written Assessment a fazer prova. Primeiro, pelo seu caráter mais informal - não existe aquela lista de questões com o espaço específico de cada resposta, padronizadinho pra todo mundo e que dá um trabalho da gota serena pra elaborar mais de um tipo. O WA você resolve com uma folhinha em branco. E eu ainda dou a opção de fazerem numa folha de caderno, se o aluno preferir. Gosto mesmo é de levar folhinhas coloridas - verdinhas ou amarelinhas: os trabalhos ficam tão mais lindinhos! E fora que como WA geralmente tem a ver com  produção textual de algum gênero específico, entra em cena todo um lance plástico: um dos WAs deste ano foi uma cartinha pra um colega se apresentando (sempre usando funções trabalhadas em sala de aula). Eles fizeram desenhos, pintaram, usaram canetas coloridas, copiaram versos de músicas e poemas nas cartinhas - foi lindo! Dá realmente pra perceber o quanto eles se engajaram no trabalho.

Uma outra vantagem que eu vejo no WA em relação à prova tradicional é que, em geral, questões de prova solicitam que o aluno tenha domínio DAQUELE TÓPICO especificamente. Suponhamos que o aluno teve um rendimento de 50% do que foi trabalhado em sala; suponhamos ainda que, na prova, sejam trabalhados tópicos dentro dos 50% que ele aproveitou: temos um aluno com uma nota alta que não reflete o que ele aprendeu. Suponhamos agora que a prova aborda essencialmente elementos que ele não compreendeu bem: temos agora uma aluno com uma nota muito baixa que também não reflete o que ele aprendeu. Logicamente, você pode fazer uma prova impressa com cara de WA e um WA com jeitão rígido de prova bimestral - atenção à essência de um e de outro aqui, por favor.

Pois é, mas nem tudo são flores: a prova dá mais trabalho pra elaborar; o WA dá mais trabalho pra corrigir. O profe tem que ter em mente muito claros os critérios. Quanto pra estrutura, quanto para a gramática, quanto para ortografia, quanto pela omissão de um verbo auxiliar; quanto pelo tópico fora de contexto, quanto pra criatividade, quanto pela incoerência, quanto pela textualidade ameaçada. É chatinho, mas no fim das contas é bacana.

10.11.10

Haddad, Garcia e ENEM

Percebo com grande satisfação a segurança e a tranquilidade de Haddad na hora de responder perguntas desenhadas pra acusar.

8.11.10

(Sobre o ENEM #2) Herdeira da ditadura,

... a tradição escolar brasileira não segue essas diretrizes. Ela é linear. As disciplinas são como cordas bambas paralelas: elas não se cruzam, não dialogam e o aluno não tem como se apoiar em mais de uma ao mesmo tempo, pois são distantes entre si - pelo menos mais que o alcance de suas pernas. O dia-a-dia do aluno não é problematizado. O contexto é o dos livros - distante, teórico, abstrato... distante. E muitas vezes irrelevante, posto que é visto como algo totalmente sem relação com o aqui e agora. Nossas escolas, de maneira geral, não sabem como trabalhar de maneira interdisciplinar, integrando teoria e prática, estimulando a reflexão e a crítica. Sequer ensinam o aluno a se posicionar diante do que quer que seja.

Agora imagine que você vai fazer um exame de curva glicêmica. Você acha que tem glicose baixa e não quer "fazer feio" no exame (?). O que você faz pra ludibriar os testes? Atola Coca-Cola com biscoito recheado! Consequências: um exame adulterado que poderá esconder problemas sérios de saúde. E uma dor de barriga, pra deixar de ser besta. É assim que eu enxergo os "cursinhos preparatórios pro ENEM" (?!?). Pelamorde, meu povo, falassério. Se seu aluno não aprendeu no EM a refletir, é uma aula de CURSINHO que vai ensinar? Gimme a break! Tem uma escola/cursinho onde moro que divulga seu curso preparatório assim: "ENEM - uma competição nacional". Competição. Tá com a gota!

O fato de as IES adotarem o ENEM era pra ser uma coisa boa também. Afinal, numa cultura escolar utilitarista, um exame só pelo diagnóstico só pra fins de check up não interessa a ninguém, né mermo? As escolas dariam importância ao ENEM, se pautariam por ele, já que não se pautam pelo que deveriam - os PCNs. Mas, é aquela velha estória: A MAIORIA DAS NOSSAS ESCOLAS NÃO TEM FORMAÇÃO PARA UMA EDUCAÇÃO CRÍTICA, REFLEXIVA, QUE UNA TEORIA E PRÁTICA, QUE EXIJA A ARTICULAÇÃO DE CONHECIMENTOS DE ÁREAS DIFERENTES. Mas qual delas está pronta pra admitir isso? Nananinanão. Você fez a curva glicêmica, se entupiu de bagana; seu exame mostrou que você é diabético e seu médico passou remédio pra baixar sua glicose. Por causa disso, você quase entrou em coma. A culpa é de quem? DO LABORATÓRIO, É LÓGICO.

Alunos, o ENEM tem problemas ainda, sim. Ele tem problemas a serem resolvidos, SIM. Mas acreditem: vale a pena investir nele. O fim dele seria o fim de uma jornada que a educação brasileira PRECISA trilhar. Por isso tudo, eu, como professora e educadora comprometida, apóio o ENEM. E espero que o povo (com ajuda do PIG) não fique crucificando o Fernando Haddad por causa dos problemas desse ano. O MEC é muito, muito mais, INFINITAMENTE MAIS que o ENEM.

Posts inspirados em debate bacana com @vitorsic.


OBS: não sou da área da saúde e posso ter falado bobagem na metáfora dos exames. QUem quiser me corrigir, o campo dos comentários está à disposição! =P

(Sobre o ENEM #1) Comer camarão em casa...

... e sair pra fazer exame de sangue. Burrice, não?

Todo mundo que já fez exame de sangue sabe que existem muitos pré-requisitos pra cumprir antes de chegar ao laboratório. Dependendo do que se quer verificar, há o jejum de 8 ou 12h, nada de crustáceos por uma semana, repouso e assim por diante. Descumprir essas recomendações não é errado ou feio - é simplesmente sem sentido. Não adianta. Nem vale a pena se dar o trabalho de ir ao laboratório e (no meu caso) levar umas 5 agulhadas inúteis até que chamem a enfermeira mais experiente da casa pra achar a veia da gente, que é "fina demais" (aff, como eu sofro...). Esse exame não vai diagnosticar nada que sirva pro seu médico.

Enxergo o ENEM pela mesma perspectiva. o EXAME Nacional do Ensino Médio nasceu pra ser isso mesmo: um exame. Era pra diagnosticar questões relacionadas à qualidade do ensino médio. Era pra se tornar referência, como as taxas de colesterol: você tem que estar nesta ou naquela faixa pra estar bem. Se não estiver, tem algo errado e temos que tratar.

O ENEM tem tudo pra se torna uma referência benéfica pra gente. Não se baseia em questões pontuais. Não se baliza pela "decoreba" ou pelo academicismo precoce e imaturo que muitos vestibulares exigem. As questões tratam do dia-a-dia do país e os conteúdos se atravessam mutuamente. Em vez de andar numa corda bamba, o examinando conta com uma rede - vários conhecimentos entrelaçados. Uma consequência desejável disso seria que as escolas passassem a perceber a importância de trabalhar também dessa forma em sala de aula. O ENEM anda de mãos dadas com as diretrizes curriculares. Se estas forem cumpridas, tudo deve dar certo. Princípios pedagógicos críticos e reflexivos permeiam as diretrizes e o exame - e deveriam permear o ensino também.

E aqui começa o problema do paciente rebelde.

20.10.10

O ensino de inglês e o camponês

Tive um momento epifânico ontem conversando com um colega professor: quero investigar as práticas de ensino de LI em escolas em áreas de assentamento. Depois quero me aprofundar no pensamento freireano e desenvolver uma metodologia de ensino de LI voltada PARA O ALUNO CAMPONÊS ADULTO!!! \o/ #olhobrilhando
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COMO EU VOU FAZER UMA COISA DESSA, MOPAI? o.O

6.10.10

Quem é mais cristão?

Estou aqui na sala trabalhando e, de quebra, refletindo com dois aluninhos e um colega sobre eleições, política, Marina Silva e sua suposta neutralidade, direita, esquerda e essas coisas. e nessa conversa consegui estruturar uma reflexão interessante.

Pelo menos pra mim, néam... =)

Uma das questões pseudo-ideológicas que a direita conservadora usou (a pelo visto ainda usa) contra a esquerda é o ateísmo. Comunista é ateu. Quem é cristão não pode ser de esquerda. Marina atraiu muitos olhares também por romper esse paradigma - para depois reforçá-lo, mas enfim.

O ser cristão evoca um imperativo máximo: amar ao próximo. Ser cristão é ser solidário. Na Bíblia, às vezes ser cristão é vender tudo que tem, dar aos pobres e seguir a Cristo; outras vezes é ter fome e sede de justiça; outras é cuidar dos órfãos e das viúvas - não cumprir esta recomendação podia ser muito perigoso; "misericórdia quero, não sacrifícios", diz o Senhor. Misericórdia. Solidariedade.

Amor ao próximo.

Nestas eleições, há o lado dos que se preocupam com os pobres; há também o lado dos que os desprezam. Há o lado dos que lutam por serviços de qualidade acessíveis aos que não podem pagar; há o lado dos que se vangloriam de não precisar do governo pra nada. Há o lado dos que brigam pelos órfãos e viúvas do nosso tempo; há o lado dos que desejam que eles sejam sempre desamparados para cobrarem barato na hora de prestarem um serviço. Há o lado dos que veem no pobre um cidadão privado de seus direitos de cidadão; há o lado dos que veem no pobre um burro preguiçoso que tem que ficar na favela mesmo.

Um lado é mais solidário. Um lado é mais misericordioso.

Um lado é mais cristão.

Qual lado mesmo?

18.9.10

(PR.i) + (PR.og)


Definitivamente, vc é RT  Eu sou progressista? Passo por grandes crises antes de assumir um rótulo! >> http://bit.ly/czTGTP
Menino, vivendo e aprendendo! ^^

Aproveito pra divulgar o seguinte:

Preparação do encontro

Publicado por: danieldantas79 em: 16/09/2010
Esta sexta-feira, às 18 horas, no café da Siciliano do Midway, vamos nos encontrar para o primeiro bate-papo em preparação para a realização do Encontro Estadual de Blogueiros Progressistas do RN.
Trata-se de uma iniciativa plural e todos os que se sintam contemplados por nossa carta de princípios (veja aqui) estão convidados para se juntar a nós.
O Encontro Estadual é resultado direto das deliberações do I Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, que ocorreu algumas semanas atrás em São Paulo.  Dentre as deliberações do Encontro Nacional ficou estabelecido a organização de etapas estaduais em março de 2011, como preparação para a segunda edição do Encontro Nacional, em maio.
Todos estão convidados a se engajar e participar.  Queremos discutir algumas coisas nesse bate-papo:
1) Organização do encontro: local, data, formas de financiamento, perfil (oficinas? debates?)
2) Integração das redes sociais progressistas do RN: acesso coletivo a este blog, disponibilização de listas de links, etc.
3) Estratégias de manutenção e sobrevivência: diante, por exemplo, das ameaças financeiras e/ou jurídicas sobre todos.
Se você quiser participar do encontro e das discussões, mas não poderá se encontrar conosco, deixe um recado neste post ou fale conosco no twitter (@blogprogRN) para se integrar à luta.
E aí? Bora?

14.9.10

Superando paradigmas

André Magri é meu aluno, fez intercâmbio e é professor substituto do município de Ipanguaçu. Ele é também voluntário de um projeto de extensão que pretende oferecer um curso básico de inglês pros trabalhadores da educação no município, então ele recebe um treinamento/capacitação baseada em uma série de princípios e crenças que a coordenadora do projeto (eu!) traz consigo e executa em sala de aula.

Trabalhando em parceria com seu colega professor de inglês, André "invadiu" a aula do teacher e pôs em prática, numa turma real de 7o ano (antiga 6a série) do Ensino Fundamental, numa escola pública municipal na comunidade de Tabuleiro Alto, a 22km do centro de Ipanguaçu. Vejam o depoimento do rapaz:
Bem, tive uma experiência bem legal e proveitosa com meus alunos do 7º ano do ensino fundamental no ensino da língua inglesa, a qual prefiro designar de "língua dominante". Foi um momento de descontração, descobrimento e, acima de tudo, aprendizagem! A aula era, tipo, um exemplo de diálogo comum e inicial de reconhecimento/apresentação entre duas pessoas. Tudo foi em Inglês!!! Sim, as crianças no início acharam o negócio de ter uma aula de inglês em inglês meio "doido", nas palavras deles. É compreensível, mas não me rendi diante disso! A aula rolou do jeito que começou, com a exceção de que com os gestos, pulos, expressões e mais um monte de coisas que fiz em pleno ato de desespero (risos) para os meninos entederem o diálogo, eles conseguiram entender mesmo e o melhor: acharam muito divertido!
Por exemplo: A situação inicial era centrada no mais que conhecido "Hello! I am fulano". Assim, eu falava a frase me apresentando e o comando era que todos repetissem em alto e bom som a mesma coisa, independentemente de que os nomes deles fossem ou não igual ao meu. Depois, os "boys" repetiam sozinhos, mas com uma voz bem grossa e expressão mais máscula, digamos. E, por fim, as "girls" com vozinha fininha e expressão beeem afetadam repetiam o tal "I am fulano". Foi bem interessante esse processo, porque os estudantes praticaram mesmo a pronúncia e também puderam atribuir contextos à fala, no caso das expressões faciais e vocais.

Em seguida, e em duplas, eles praticaram o diálogo entre eles, apresentando-se e esperando o outro se apresentar. Nessa etapa da aula, eles praticaram o que haviam falado na apresentação inicial. E isso foi importante devido à necessidade, dentro do aprendizado de qualquer língua estrangeira, de por em prática o que se vê na teoria. Por fim, eles partiram para a escrita, baseando-se lá no nosso diálogo da apresentação, substituindo os dados de "fulano" pelos seus próprios e os de seus parceiros de atividade na etapa 2, a prática. 


Tudo foi muito válido, porque os meninos puderam se aproximar realmente da Língua Inglesa de uma maneira que não tem como objetivo intimidar o alunado com "complexidade" ou "atenção! isso é muito difícil, gente!". O momento foi de aprendizagem mútua, pois tanto eles quanto eu pudemos nos divertir muito criando contextos diversos de aplicação para um simples, mas muito útil, diálogo de apresentação. "Professor, a aula de inglês em inglês é mais interessante", disse-me um aluno ao fim da aula. Eu só concordei na hora, mas por dentro fiquei deveras feliz com as palavras dele. Detalhe pessoal, sou marinheiro de primeira viagem nesse negócio de dar aulas de língua inglesa, apesar de dominar um pouco o idioma. Na verdade, sou professor de Língua Portuguesa da mesma escola.

11.9.10

Cretinice level 10

Um dia destes eu dei de cara com este tweet.


Esse micropost despertou em mim uma sensação de ultraje perturbadora. Basicamente todos os preconceitos contra os quais luto em minha vida profissional/acadêmica aparecem nele. Aliás, não simplesmente aparecem - o motivam e alimentam.

Vamos começar pelo básico, shall we? Preconceito Linguístico 101: o Twitter é em inglês; o Twitter é bacana; o Twitter continuaria sendo bacana se fosse em Português? Não da mesma forma, claro. Afinal, tudo que é em Língua Inglesa, a língua dos escolhidos, a língua dos cultos, dos bem educados, dos loiros de olhos azuis, das grandes empresas multinacionais, a língua mundial já atingiu o nível máximo de prestígio. Pra que rebaixá-lo ao status do Orkut, esse monstro democrático desprovido de glamour?

Próximo: além de perder a graça, o Twitter em português passaria a ser acessível a QUALQUER BRASILEIRO! o.O Até os índios! Até os matutos! Não, muito pior: ATÉ OS POBRES! Quem quer isso? Que ser humano desalmado e psicopata desejaria democratizar o acesso a uma ferramenta crescente e poderosa de comunicação e estabelecimento de vínculos?

Mais um (sem ironias agora): esse discurso exclusivista de que as coisas boas devem permanecer na mão de quem estudou inglês (leia-se tem grana e domínio de elementos importantes da cultura dominante para/por ter feito um curso livre) me deixa profundamente triste e zangada ao mesmo tempo. Principalmente porque apesar do tuiteiro em questão (parecer) ser um adolescente, tal discurso está presente constantemente no meio docente. Professores de inglês Brasil afora acreditam sinceramente que a língua que eles ensinam é como a Matrix: apenas aqueles poucos seres especiais (que fazem curso livre ou são auto-didatas) merecem a graça de aprendê-la efetivamente. Quanto aos demais, bem, "eles não falam ne português, quanto mais inglês", né mermo?

É triste. Mas eu não me rendo! Meus alunos todos terão oportunidade de discutir esse tweet em sala de aula e de se posicionarem a respeito. Eles podem até concordar, mas será por escolha clara e consciente, não aquela concordância movida pelo senso comum.

14.8.10

Meu comentário no site da Época

Olá!

Não ficou muito clara pra mim uma coisa. Partidarismos à parte (não pretendo votar em Dilma nem sou militante de partido algum), pareceu-me que o discurso desta reportagem e da própria natureza da capa posiciona seus autores contra Dilma. Mas isso não faz sentido, uma vez que, não havendo discurso neutro e dado o contexto da matéria, o texto e o veículo que o publica teriam que se posicionar A FAVOR DA DITADURA. E eu tenho absoluta certeza que os profissionais que trabalharam nesta edição não tem esta visão. Não é possível.  Possivelmente falta a mim esclarecimento suficiente para compreender o verdadeiro sentido desta reportagem. Considerando que sou uma professora, formada em Letras por uma universidade prestigiada, pós-graduada em Educação e fui iniciada cientificamente por uma analista do discurso e, mesmo assim, tenho tantas dúvidas, imagino quem terá sido o público-alvo levado em consideração ao ser escrita esta reportagem.

Pra ver a reportagem, clique aqui. Vejamos se publicam, se permanece publicado e a repercussão.

Tuito ergo sum

Aqui vão alguns tweets de hoje que eu quero deixar registrados aqui. For further reference. Leia de baixo pra cima, ok?

  1. Alguém me explique como eu vou embasar isso sociológica e pedagogicamente numa pós em INGLÊS!
  2. A aula de inglês libertadora problemtaiza a realidade do aluno, não importa se é 1 adolescente rico, 1 jovem favelado ou 1 adulto camponês.
  3. A aula de inglês libertadora reafirma a identidade do aluno e do professor - BRASILEIROS! - não trabalha pra americanizá-la ou globalizá-la.
  4. ... libertadora, crítica de si mesma, inclusiva, transformada dia após dia para ser transformadora.
  5. Meu negócio é c/ educação - não a d Moto#Serra, sucateada, reprodutora e acanhada, mas a d #PauloFreire#MarianoEnguita,#AlastairPennycook
  6. Se não passar vou acabar fazendo um em inglês. Com viés elitista, anglocêntrico e 100% reaça. #medo
  7. De olho na abertura do mestrado em educação da UERN! \o/#fingerscrossed #sohelpmeGod

6.8.10

J'adore l'education libertaire! Vive l'anarquie!

Um trechinho de "Educação Libertária" (no texto de Bakunin) que eu amei e publiquei aqui:

"Fala-se tanto em liberdade individual hoje, e no entanto o que domina não é, em absoluto o indivíduo humano, o indivíduo considerado em geral, é o indivíduo privilegiado por sua posição social, é por conseguinte a posição, a classe. Que se atreva um indivíduo inteligente da burguesia a levantar-se contra os privilégios econômicos desta classe respeitável, e veremos o quanto estes bons burgueses, que neste momento só tem na boca a liberdade individual, respeitarão a sua."

Miguel Bakunin (A educação integral, em Educação Libertária

É não é verdade?

Semana pedagógica

Muito importantes os momentos de reunião dos professores. Este momento só não está melhor ainda porque nosso cronograma não foi definido por nós aqui no campus. Mas está bem legal.

Estou conversando com colegas sobre quais iniciativas interdisciplinares poderíamos realizar em torno da leitura de Freedom Writers! Um profe de português que é cinéfilo, já falou que curtiu a idéia e nós vamos  tentar desenvolver alguma coisa nesse sentido! Também já projetei as aulas semana a semana do 3o bimestre.

Nossa, que post mais #vidadeprofe!!!

25.7.10

Os escritores da liberdade

Ontem eu estava desesperada pra terminar logo as correções de trabalhos e lançamento de notas. Consegui, graças a Deus. Hoje eu decidi que iria ler um pouco de três livros diferentes (The Essential Calvin and Hobbes, Critical Applied Linguistics e Freedom Writers). Mas ao começar pelo último, não deu pra trocar.

Eu já tinha visto o filme 854 vezes num único fim de semana. Então decidi comprar o livro que originou o filme - os diários dos alunos da sala 203. à medida que lia, ia revivendo as emoções do filme, como se ele estivesse todo gravado na minha mente.  A cada parágrafo, cada relato de dor e desilusão, eu ia desenvolvendo a vontade de compartilhar a história daqueles alunos com MEUS alunos.

Daí eu lembrei do seguinte: nós trabalhamos muito a oralidade e a produção escrita no semestre passado - nada de leitura. Pode? Não! Lembrei também que alguns alunos meus vieram me sugerir que a gente lesse um livro, "que nem os alunos do professor Henrique" (que vai rir um bocado se um dia ler isto).

(pausa para explicações)
Eu não uso para-didáticos. Eu tenho HORROR  a paradidáticos. Não suporto textos forjados para fins didáticos. Pra mim, o texto autêntico é polifônico; o adaptado é monofônico; o forjado é AFÔNICO. É uma questão política pra mim. Como assim eu vou ensinar meus alunos a lerem textos que não existem? Como é que se aprende a ler criticamente o mundo real se na escola só se lê o mundo de mentirinha? Inclusive, já que falei em Henrique, ele foi o único colega que conseguiu despertar algum respeito pelos para-didáticos. Hoje eu não torço tanto o nariz pra eles, mas continuo firme no meu desafio de usar apenas manifestações concretas de linguagem nas minhas aulas.
(play!)

Então eu uni os pontinhos: os diários dos Freedom Writers não apenas são reais - eles são contemporâneos, divididos em trechos curtos (as entries), foram escritos por adolescentes de ensino médio que enfrentam problemas sérios relacionados a preconceito e valores - como muitos dos meus alunos! Tchã-rãããã!

Seria legal ler o livro inteiro, embora eu não faça idéia de como operacionalizar isso. Acho interessante começar pelo filme, pra estabelecer um vínculo afetivo bacana e tornar a leitura significativa.

Percebam: ontem eu estava louca pra me livrar do trabalho. Hoje eu já estou, novamente, trabalhando. Sonhando ainda, mas já trabalhando.

Sugestões de plano de aula, pessoal?

23.7.10

Reflexões monográficas

Defendi minha monografia de especialização terça passada. Foi uma experiência transformadora e libertadora. Tem noção do que é ter um doutor e um mestre mostrando o quanto ficaram inquietos com as reflexões que você suscitou? E a segurança que você precisa ter pra poder discordar deles no maior respeito? Uma discussão de cientistas - e eu era um deles!

Algumas palavras foram chave pra que a banca me caracterizasse como pesquisadora: corajosa, ousada e apaixonada. Mesmo diante de muitas críticas, esses três termos foram o suficiente pra me fazer sentir vontade de continuar.

Segue o trecho que meu crítico mais ferrenho definiu como "lindo, o coração do seu trabalho":

É importante ressaltar que se primordialmente a pedagogia crítica nasceu popular (às margens da sociedade, da prática à teoria) este segundo momento se caracteriza por uma natureza contrária, elitista (do centro (universidades) em direção à periferia , teorizada) (p. 4). Talvez por isso, por passar a ter um movimento também de cima para baixo, tantos educadores passem pelos bancos das universidades sem conseguirem efetivamente compreender o sentido da obra de Paulo Freire, vendo nela uma espécie de utopia mentirosa, de beleza fajuta. Afinal, se o caminho para a liberdade é a própria liberdade (como afirmava o ideário educacional anarquista), uma prática educativa libertadora não pode acontecer em meio à teorização, à redação de ensaios e resumos de leitura para fins de obtenção de nota. Professores tendem a reproduzir em suas salas de aula aquilo que vivenciaram em suas experiências de formação profissional. Como podemos exigir que um professor adote o diálogo como método primordial de ensino quando  seus próprios formadores (intelectuais, mestres, doutores) não dialogavam com aquele então graduando de igual para igual? Como esperar que um graduando em Letras faça, sozinho, sem ajuda, sem diálogo com um mediador, a ponte entre os princípios da pedagogia crítica e seu plano de aula de LI?

9.7.10

Reflexões

Vi tantos projetos legais no fórum de educação profissional que parei pra refletir sobre minha prática. Me percebi chinfrim. Por que eu não estou trabalhando com projetos? Por que eu tenho, dia após dia, a sensação de que pego muito leve com meus alunos?

Fiquei me sentindo mal por algumas horas. Mas logo em seguida lembrei de outras coisas. Eu tenho 18h/aula por semana, fora 4h/aula de reunião. É muito? É não! Não quando você é só professor e tem liberdade de fazer o projeto didático que quiser fora de sala de aula. Não é o meu caso.

Eu tenho uma coordenação pra tocar. Não parece muita coisa, mas passa a ser uma tarefa homérica quando você decide levá-la a sério e fazê-la bem-feita. Basicamente meu trabalho hoje é de líder de torcida: é minha a responsabilidade de fomentar a pesquisa na escola. Aí vem: temos muitos servidores sem currículo na plataforma Lattes, vamos sensibilizá-los para que criem o seu; temos outros tantos com seu Lattes desatualizado, vamos encher a paciência deles para que atualizem seus currículos; temos grupos de pesquisa que sequer se reúnem, vamos incentivá-los a retomarem seus encontros e atividades de grupo; temos alunos que nem sabem pra onde vai esse negócio de pesquisa, vamos então às apresentações, aulas, cursos de metodologia da produção acadêmica; temos servidores que jamais se engajaram em pesquise, vamos sentar com eles e descobrir um objeto de estudo interessante. Fora a organização de congressos e seminários de divulgação científica.

Eu tenho um grupo de formação pra tocar. Eu sou professora de Ensino Médio. Isso significa que os problemas que chegam até mim têm sua origem em algum dos 9 anos anteriores da escolaridade de meus meninos. No caso de LI, nos 4 anos do Ensino Fundamental II. E mais: minha escola se propõe a colaborar com a formação de professores da educação básica das redes estadual e municipal. Some-se a isso uma série de descobertas sobre o papel político do professor de LI e do próprio ensino de LI na escola brasileira - essas descobertas geralmente não são oportunizadas na graduação em Letras. Não posso simplesmente me voltar pra meu próprio umbigo e reclamar da prática de meus colegas de disciplina sem dar minha cota de contribuição. Ano passado propus um curso de capacitação de professores de LI. Um dos depoimentos, de meu colega queridíssimo Joaquim, afirma que o último evento que havia reunido teachers da região havia acontecido em 1997.

Eu tenho uma metodologia simples e praticável pra desenvolver. Em sala de aula eu busco sempre atender aos anseios de meus alunos (desenvolver a oralidade) de uma maneira que não exija materiais e recursos que sejam escassos em escolas públicas em geral. Meus jogos utilizam giz/marcador e quadro. No máximo papel colorido e cartolina. Dado o desempenho dos alunos, acho que está dando certo.

...

...

...

Parece que eu estou envolvida em projetos, afinal.

25.6.10

Neutralidade?


NÃO HÁ VAGAS
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
   está fechado:
   "não há vagas"

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

            O poema, senhores,
            não fede
            nem cheira
Ferreira Gullar

4.6.10

I ♥ CAL

Gente, desde que chegou meu "Critical Applied Linguistics" eu tô nas nuvens! Mas vou confessar uma coisa: tá difícil de ler. Pennycook parte de pressupostos que são novos pra mim. Cada parágrafo é relido umas três vezes até eu me sentir segura o suficiente pra continuar. Página 16 ainda?! How come?

O cara já mencionou Fairclough, van Djik e... E... PAULO FREIRE!!!1!! Orgulho de ser brasileira... Tô adorando. O enfoque é bem alinhado com meus anseios e angústias, só me senti assim lendo a Bíblia e O Dia do Coringa! BOM DEMAIS!

Bom deixe eu voltar pra minha leitura.

Feriado emocional

Acabo de ver “Escritores da Liberdade”. Apenas uma coisa me motivou a ir até o fim: o fato de ser um filme baseado em fatos reais. Se eu achasse que tudo aquilo tinha sido apenas imaginado por um roteirista alienado eu não teria me submetido ao sofrimento que foi esse filme nos primeiros 75 minutos.

Comecei a chorar assim que a professora Erin Gruwell encarou seus alunos pela primeira vez. O descaso deles pelo seu coração cheio de sonhos e boas intenções me acertou em cheio. A falta de educação daqueles meninos me deu vontade de odiá-los de tanto que eu me punha no lugar da Ms. Gruwell. Mas eu sabia que não podia odiá-los: eu havia lido a sinopse do filme e sabia que eles ficariam "bonzinhos" no final. Senti culpa por condená-los. Chorei mais um pouquinho.

Lembrei da primeira vez que dei aula num colégio. Eu tinha uns 2 anos e meio de experiência com curso livre, mas sabia que só teria as vivências libertadoras que me instigavam tanto na faculdade trabalhando em escolas, trabalhando no sistema educacional mesmo. Era um colégio de quase elite com um ensino de altíssima qualidade e, por ser uma escola cristã, tinha um compromisso de ir muito além do mero ensino conteudístico. Era tudo que eu queria.

Bem, mais ou menos.

Eu não sei ser professora das elites. Não digo isso achando o máximo, pelo contrário: considero isso uma grande limitação. Desde o Yázigi fui metodicamente orientada a dedicar atenção extra a quem precisa dela - a atividade extra-curricular pro aluno que tem muita dificuldade de falar, o projeto extra-classe pra aluna que não escreve lé com cré, o incentivo extra-humano pro aluno extra-tímido. Depois veio a paixão pela EJA. Depois, a Pscopedagogia. Minha vida profissional toda desenvolveu uma inclinação ao complexo de messias.

Minha primeira turma me ofereceu o desafio de Ms. Gruwell às avessas. Eu não tinha uma grupo de alunos à espera de salvação: eu tinha um grupo de alunos que tinha direito a aprender inglês (mas não sabia que tinha esse direito) sufocado por uma minoria que já sabia inglês dos cursos livres que me acusava de não dar o conteudo complexo e elaborado que eles exigiam para seu nível. Eu dava aula para o primeiro grupo; o segundo me acusou - literalmente - de dar aula “pra quem já sabia e quem não sabia também não aprendia nada”.

A diretora, após ser procurada por este último grupo, me chamou pra conversar. Entenda, ela não brigou comigo nem reclamou nem nada. Foi de fato pra conversar. E o que ela me disse foi a verdade: “estes alunos” (do grupo de “elite”) “já têm um nível alto. Eles precisam ser desafiados”. Chamei cada aluno desses, pedi a eles que escolhessem uma edição da Newsweek (eu era assinante) e dentro de cada edição cada um escolheria uma matéria e faria um resumo em inglês pra me entregar.

Até hoje eu estou esperando.

Com este dispositivo, eu consegui mais tenpo pra resgatar o direito de aprender inglês do primeiro grupo. Mas o ano acabou e as queixas foram ainda mais duras contra mim. Minha diretora me disse que eu podia ficar tranquila: como as aulas de língua estrangeira seriam divididas (parte da turma com inglês, parte com espanhol), só ficaria com inglês quem de fato tivesse um conhecimento mais aprofundado. Ela me deu carta branca pra mandar ver sem o peso de excluir ninguém. Adorei a novidade. Mandei ver mesmo - ainda que alguns do primeiro grupo tivessem desafiado a lógica vigente e permanecido na turma de inglês apesar de seu histórico preocupante.

E foi com muito prazer que eu devolvi a eles sua primeira prova corrigida. Meus alunos historicamente fracos em inglês tinham tirado as maiores notas da turma. Os fluent speakers se viram chocados. E eu me vi vingada - apesar de saber que isso é um sentimento socialmente reprovável para a situação.

SPOILER ALERT! Se você não viu o filme pare aqui!

Voltando ao filme, ele é maravilhoso por muitos motivos. Um deles é que tudo nele tem um sentido, tudo pode ser lido e interpretado. Quando um dos meninos pede à mãe pra voltar pra casa, ela responde entregando a ele uma das sacolas de compras que levava. Ele foi aceito por meio do trabalho e da responsabilidade que lhe seria atribuída. É assim que construímos nosso lugar no mundo. Quando a aluna cambojana chega junto de Eva com o estojo de maquiagem e diz "I think I got your coloer", de que "color" ela está falando? Da pele ou da etnia?

A parte com a carta a Miep teria sido ridícula se a história não fosse baseada em fatos reais. Como foi, torna-se um alento em dias tristes. O momento em que dizem a ela que ela é uma heroína e ela retorna dizendo que eles sim são os verdadeiros heróis? Alguém traga um lençol, por favor. Já passei da fase do lenço.

Fiquei indignada com a pequenez e a mesquinhez do Mr. Gruwell. O cara quer se separar da mulher porque ela faz coisas boas e importante e ele precisa estar num relacionamento com alguém tão medíocre quanto ele pra não ter que se sentir culpado. Quem já viu isso? Mas depois, quando ele diz que ela ama uma idéia false de quem ele é, o cara se redime comigo. Essa parte é verdade e Erin nunca veria isso sozinha.

A luta política de Erin dentro do próprio sistema educacional também me falou muito. Eu já não aguentava mais o monte de professor me dizendo que Vygotsky, Paulo Freire e Pennycook eram muito lindos no papel, mas muito fantasiosos. Minha saída foi buscá-los sozinha. Graças a Deus trabalho numa escola que conta com uma equipe pedagógica de primeira e que incentiva ao invés de querer calar meu desejo de fazer coisas extraordinárias para que sua própria mediocridade. Também o fato de ser uma escola pública ajuda um bocado: não tenho questões mercadológicas me enchendo o saco e ameaçando meu emprego. Sou livre pra ser a educadora que sempre quis ser.

Não sei como terminar este post. Acho que isso quer dizer que este assunto ainda não está bem finalizado dentro de mim. Quer saber? Espero que nunca esteja. Quando estiver, talvezeu perca a “inquietude intelectual” (como me disse uma professora querida uma vez).