25.6.10

Neutralidade?


NÃO HÁ VAGAS
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
   está fechado:
   "não há vagas"

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

            O poema, senhores,
            não fede
            nem cheira
Ferreira Gullar

4.6.10

I ♥ CAL

Gente, desde que chegou meu "Critical Applied Linguistics" eu tô nas nuvens! Mas vou confessar uma coisa: tá difícil de ler. Pennycook parte de pressupostos que são novos pra mim. Cada parágrafo é relido umas três vezes até eu me sentir segura o suficiente pra continuar. Página 16 ainda?! How come?

O cara já mencionou Fairclough, van Djik e... E... PAULO FREIRE!!!1!! Orgulho de ser brasileira... Tô adorando. O enfoque é bem alinhado com meus anseios e angústias, só me senti assim lendo a Bíblia e O Dia do Coringa! BOM DEMAIS!

Bom deixe eu voltar pra minha leitura.

Feriado emocional

Acabo de ver “Escritores da Liberdade”. Apenas uma coisa me motivou a ir até o fim: o fato de ser um filme baseado em fatos reais. Se eu achasse que tudo aquilo tinha sido apenas imaginado por um roteirista alienado eu não teria me submetido ao sofrimento que foi esse filme nos primeiros 75 minutos.

Comecei a chorar assim que a professora Erin Gruwell encarou seus alunos pela primeira vez. O descaso deles pelo seu coração cheio de sonhos e boas intenções me acertou em cheio. A falta de educação daqueles meninos me deu vontade de odiá-los de tanto que eu me punha no lugar da Ms. Gruwell. Mas eu sabia que não podia odiá-los: eu havia lido a sinopse do filme e sabia que eles ficariam "bonzinhos" no final. Senti culpa por condená-los. Chorei mais um pouquinho.

Lembrei da primeira vez que dei aula num colégio. Eu tinha uns 2 anos e meio de experiência com curso livre, mas sabia que só teria as vivências libertadoras que me instigavam tanto na faculdade trabalhando em escolas, trabalhando no sistema educacional mesmo. Era um colégio de quase elite com um ensino de altíssima qualidade e, por ser uma escola cristã, tinha um compromisso de ir muito além do mero ensino conteudístico. Era tudo que eu queria.

Bem, mais ou menos.

Eu não sei ser professora das elites. Não digo isso achando o máximo, pelo contrário: considero isso uma grande limitação. Desde o Yázigi fui metodicamente orientada a dedicar atenção extra a quem precisa dela - a atividade extra-curricular pro aluno que tem muita dificuldade de falar, o projeto extra-classe pra aluna que não escreve lé com cré, o incentivo extra-humano pro aluno extra-tímido. Depois veio a paixão pela EJA. Depois, a Pscopedagogia. Minha vida profissional toda desenvolveu uma inclinação ao complexo de messias.

Minha primeira turma me ofereceu o desafio de Ms. Gruwell às avessas. Eu não tinha uma grupo de alunos à espera de salvação: eu tinha um grupo de alunos que tinha direito a aprender inglês (mas não sabia que tinha esse direito) sufocado por uma minoria que já sabia inglês dos cursos livres que me acusava de não dar o conteudo complexo e elaborado que eles exigiam para seu nível. Eu dava aula para o primeiro grupo; o segundo me acusou - literalmente - de dar aula “pra quem já sabia e quem não sabia também não aprendia nada”.

A diretora, após ser procurada por este último grupo, me chamou pra conversar. Entenda, ela não brigou comigo nem reclamou nem nada. Foi de fato pra conversar. E o que ela me disse foi a verdade: “estes alunos” (do grupo de “elite”) “já têm um nível alto. Eles precisam ser desafiados”. Chamei cada aluno desses, pedi a eles que escolhessem uma edição da Newsweek (eu era assinante) e dentro de cada edição cada um escolheria uma matéria e faria um resumo em inglês pra me entregar.

Até hoje eu estou esperando.

Com este dispositivo, eu consegui mais tenpo pra resgatar o direito de aprender inglês do primeiro grupo. Mas o ano acabou e as queixas foram ainda mais duras contra mim. Minha diretora me disse que eu podia ficar tranquila: como as aulas de língua estrangeira seriam divididas (parte da turma com inglês, parte com espanhol), só ficaria com inglês quem de fato tivesse um conhecimento mais aprofundado. Ela me deu carta branca pra mandar ver sem o peso de excluir ninguém. Adorei a novidade. Mandei ver mesmo - ainda que alguns do primeiro grupo tivessem desafiado a lógica vigente e permanecido na turma de inglês apesar de seu histórico preocupante.

E foi com muito prazer que eu devolvi a eles sua primeira prova corrigida. Meus alunos historicamente fracos em inglês tinham tirado as maiores notas da turma. Os fluent speakers se viram chocados. E eu me vi vingada - apesar de saber que isso é um sentimento socialmente reprovável para a situação.

SPOILER ALERT! Se você não viu o filme pare aqui!

Voltando ao filme, ele é maravilhoso por muitos motivos. Um deles é que tudo nele tem um sentido, tudo pode ser lido e interpretado. Quando um dos meninos pede à mãe pra voltar pra casa, ela responde entregando a ele uma das sacolas de compras que levava. Ele foi aceito por meio do trabalho e da responsabilidade que lhe seria atribuída. É assim que construímos nosso lugar no mundo. Quando a aluna cambojana chega junto de Eva com o estojo de maquiagem e diz "I think I got your coloer", de que "color" ela está falando? Da pele ou da etnia?

A parte com a carta a Miep teria sido ridícula se a história não fosse baseada em fatos reais. Como foi, torna-se um alento em dias tristes. O momento em que dizem a ela que ela é uma heroína e ela retorna dizendo que eles sim são os verdadeiros heróis? Alguém traga um lençol, por favor. Já passei da fase do lenço.

Fiquei indignada com a pequenez e a mesquinhez do Mr. Gruwell. O cara quer se separar da mulher porque ela faz coisas boas e importante e ele precisa estar num relacionamento com alguém tão medíocre quanto ele pra não ter que se sentir culpado. Quem já viu isso? Mas depois, quando ele diz que ela ama uma idéia false de quem ele é, o cara se redime comigo. Essa parte é verdade e Erin nunca veria isso sozinha.

A luta política de Erin dentro do próprio sistema educacional também me falou muito. Eu já não aguentava mais o monte de professor me dizendo que Vygotsky, Paulo Freire e Pennycook eram muito lindos no papel, mas muito fantasiosos. Minha saída foi buscá-los sozinha. Graças a Deus trabalho numa escola que conta com uma equipe pedagógica de primeira e que incentiva ao invés de querer calar meu desejo de fazer coisas extraordinárias para que sua própria mediocridade. Também o fato de ser uma escola pública ajuda um bocado: não tenho questões mercadológicas me enchendo o saco e ameaçando meu emprego. Sou livre pra ser a educadora que sempre quis ser.

Não sei como terminar este post. Acho que isso quer dizer que este assunto ainda não está bem finalizado dentro de mim. Quer saber? Espero que nunca esteja. Quando estiver, talvezeu perca a “inquietude intelectual” (como me disse uma professora querida uma vez).