12.12.10

Engatinhando na sociologia rural

Voltei a ler o último capítulo de "A sociedade vista do abismo" de José de Souza Martins. O texto do cara é assim... uma série de bofetadas, dignas daquela cena de Celebridade com Malu Mader e Cláudia Abreu, sabe? Muito punk. Triste saber que o cara tem que ser quem ele é pra dizer alguma coisa e ser de fato ouvido. Um camponês dizendo as mesmas coisas seria convidado a se calar. Mas vamos em frente.

O capítulo em questão se chama "Crítica da sociologia rural" e fala sobre como a sociologia rural foi por muitos anos uma área perversa da sociologia, voltada para diminuir e desumanizar a cultura das sociedades rurais, buscando revesti-las de uma aura de atraso e primitivismo. Fala também sobre como a "modernização do campo" foi imposta e cruel, fazendo conviverem ítens de alta tecnologia e trabalho escravo; gado tratado como realeza e empregados como lixo. Na página 222 do livro ele diz o seguinte:
Aqui no Brasil, nos anos 70 e 80, (...) Espaços ocupados por populações indígenas, que muitas vezes jamais haviam tido contato com o homem branco, e ocupados por populações camponesas pobres, remanescentes das ondas de povoamento dos séculos 18 e 19, foram declarados espaços vazios pelo estado nacional.
Mais adiante, ele afirma que a idéia emancipadora que se faz(ia) da modernização técnica e econômica do campo não passava de uma falácia. essa modernização "postiça" teve um custo social imenso, inclusive em termos de inchaço das grandes cidades - leia-se crescimento das favelas. Aliás, é bem interessante como Martins descreve a favela como um espaço rural dentro do espaço urbano, sobrevivendo, resistindo, se mantendo mesmo longe do campo. Curti.

Posso perceber um pouco disso no meu dia a dia. A região onde fica minha escola é conhecida pela fruticultura irrigada para exportação. A Fresh Del Monte é a principal empresa desse ramo da região. Ela é uma multinacional moderna no "meio do nada". Agora vejam vocês: na cidade onde estão tanto a escola como a empresa, muitos jovens não tem sequer PERMISSÃO DOS PAIS pra fazer a seleção pro instituto. Sabem por quê? Porque o ensino médio integrado de agroecologia, que interessa(ria) aos pequenos produtores da cidade é diurno - e todo mundo da família precisa estar disponível pra trabalhar na Del Monte durante os 4 meses da colheita. Um mundo de oportunidades desperdiçado porque as pessoas são tão pobres de dinheiro e de sonhos que nem mesmo cogitam a possibilidade de trocar a plantação alheia pelo próprio futuro.

A parte do texto que traz esperança é a página 226, cujo 2o § diz assim:
As próprias populações rurais vitimadas pelo desenvolvimento econômico excludente (...) tem procurado seu próprio rumo, tem se alçado acima das indignidade que as vitima, tem proclamado seus direitos e questionado os responsáveis por sua situação. Os movimentos sociais do campo são a forma do protesto dos pobres da terra, o clamor dos sem voz porque não foram ouvidos no devido tempo. Eles desfiam a sociologia rural a compreender o protagonismo e a criatividade das populações rurais (...). 
Estudar sociologia rural não vai ser nada agradável, pelo visto. Mas, vamos em frente. Quanto mais essa disciplina explicar minha realidade, mais preparada eu vou estar pra intervir nela.